O Chile é um destino bastante conhecido pelos brasileiros. Santiago, Deserto do Atacama e Patagônia são alguns dos locais mais visitados e mais recorrentes quando nos aventuramos por lá.
O país, porém, tem muito mais a oferecer aos turistas. Neste post, vou compartilhar um breve roteiro de áreas muitas vezes ignoradas por viajantes, incluindo as regiões de Biobío, Los Ríos e Los Lagos.
A viagem começou na cidade onde eu estava morando na época, em Concepción, seguiu para ilha de Chiloé, onde visitei Castro e Ancud. Depois, segui para a região de Los Lagos (Puerto Varas e Frutillar) e, depois, finalmente passei por Valdivia, antes de retornar a Concepción. No total, foram cerca de 1700 km rodados em 4 dias, em que sempre me movimentei nos ótimos (e econômicos) ônibus chilenos.
Começando pelo começo, vamos por uma breve descrição de cada local, com algumas dicas de locais para serem visitados.
Concepción
Concepción (ou somente Conce para aqueles mais íntimos) é a capital da Região de Biobío, e se localiza a uns 600 km de Santiago. Faz parte da segunda maior região metropolitana do país, atrás somente da capital chilena.
A cidade é bastante lembrada devido a seu histórico sísmico. Além do mais recente terremoto de 2010, que alcançou incríveis 8,8 graus na Escala Richter, Concepción também já sofreu com outros eventos, como em 1751, 1835, 1939 e 1960 (este último que foi aquele mais forte já registrado pela humanidade, com 9,5 graus de magnitude). Felizmente, enquanto estive lá, não senti a terra mexer.
Concepción é bastante importante economicamente para o país, o que se reflete nas instituições que abriga, como a Universidad de Concepción, por exemplo. Fundada em 1919, a UdeC, como é chamada, é a terceira mais antiga e uma das melhores universidades chilenas.
Apesar de sua importância em diversos aspectos, a cidade, em si, não é muito turística. Possui alguns poucos de pontos de interesse, porém as maiores atrações mesmo estão localizadas nos seus arredores. Vamos aos principais locais para se visitar quando se vai a Conce:
- Universidad de Concepción: uma das universidades chilenas mais renomadas no país, a Udec possui suas instalações integradas no bairro universitário, sendo bem parecida com as universidades americanas. Vale à pena uma caminhada por seu parque, com diversas espécies de árvores e alguns monumentos interessantes.

O famoso Campanil da UdeC, em Concepción.
- Pinacoteca (Casa del Arte José Clemente Orozco): principal museu de Concepción, possui o maior acervo de obras chilenas do país, contando com mais de 1800 obras. Sua obra mais impactante visualmente é o mural “Presencia de América Latina”, pintado logo no hall de entrada pelo artista mexicano Jorge González Camarena. É realmente impressionante, não só pelo tamanho (tem 300 metros quadrados), mas também por descrever a história da América Latina de maneira genial. A entrada ao museu é grátis e a visita é imperdível.

Trecho do impressionante mural Presencia de América Latina, localizada na PInacoteca de Concepción.
- Parque Ecuador: é o principal parque da cidade, estendendo-se por mais de 1km logo abaixo do Cerro Caracol, uma das colinas que há em Concepción. Nos fins de semana, é o local para onde as famílias da cidade vão com as crianças, seja para um passeio ou para um picnic. No parque, há quadras de futebol e basquete, e um museu municipal (que não é muito bom).

Exemplar de araucária localizado no Parque Ecuador, em Concepción.
- Estádio Municipal: como morei por 3 meses na cidade, aproveitei meu tempo para assistir a jogos da Universidad de Concepción, equipe local, que manda seus jogos no estádio municipal. Não é um estádio muito grande, mas é bem arrumadinho. Como o time local não é muito famoso, não mais de 1500 pessoas costumam ir assistir aos jogos da UdeC. Para quem gota de futebol, porém, pode ser um programa interessante.

A grande torcida organizada da UdeC, em um jogo contra o todo poderoso O’Higgins. O jogo acabou em 2×2.
- Desembocadura do Rio Biobío: localizada a pouco mais de 15 km de distância do centro da cidade, a foz do rio Biobío é uma atração natural que vale uma visita. Lá, onde se vê o encontro do mar com o rio, há um mirante e uma praia. É um bom local para se visitar quando se quer sair da cidade. Quando fui, porém, ventava muito e a água estava bem gelada. Talvez no verão seja possível nadar por lá.

Praia localizada entre a foz do rio Biobío e o mar. No primeiro plano, uma planta do gênero Puya, endêmica da região.
- Caleta Lenga: bastante próxima à foz do rio Biobío, está localizada a cidadezinha de Caleta Lenga. Não tem uma das praias mais bonitas que já vi, porém o local se destaca por ser um importante polo gastronômico e cultural da região. Ali, é possível encontrar diversos restaurantes que vendem pratos com frutos do mar. Além disso, também há festivais de rock, como um que tive a oportunidade de conhecer, chamado Rock en Conce. Caso você se interesse por comidas do mar e/ou rock, esse é um lugar que você deve visitar.

Festival Rock en Conce, realizado na praia de Caleta Lenga, próximo a Concepción.
- Penco: terceira cidade mais antiga do Chile, foi fundada em 1550. Não possui grandes atrativos turísticos, além de um forte, usado para a defesa do local no século XVI e de uma praia, onde a população local se diverte aos fins de semana.

Letreiro localizado na frente da praia principal de Penco.
- Lota: localizada um pouco mais distante de Concepción do que as duas cidades anteriores (a cerca de 50 km da cidade), Lota foi um importante local de produção de carvão mineral. Ali, entre os século XIX e XX, a produção de carvão atingiu seu ápice. Em 1997, a mina, chamada Chiflón del Diablo, foi fechada e atualmente abriga um museu, onde é possível fazer um tour tendo como guia mineiros que trabalhavam no local. Além da mina, a cidade conta com belas paisagens litorâneas, dois fortes, o Museu Histórico de Lota, que conta a história da cidade e o Parque Isidora Cousiño, muito bem conservado por sinal. É um passeio que pode ser feito tranquilamente em um dia e vale a pena. Recomendo!

O interior da mina Chiflón del Diablo, onde se extraía carvão mineral e que agora é um museu.

Povoado mineiro, nas proximidades da mina de carvão mineral de Lota.

Um dos mirantes da cidade de Lota, no Chile. Belas paisagens e muita história se encontram nessa pequena cidade.
- Saltos del Laja: localizados a cerca de 100 km de Concepción, estes Saltos são considerados as “cataratas do Iguaçu” chilenas. A queda d’água mais alta possui 55 metros de altura e é algo interessante de se ver. Para mim, porém, como já visitei Foz do Iguaçu, não me impressionou tanto assim…

Saltos del Laja, no Chile.
Chiloé: Castro e Ancud
De Concepción, peguei um ônibus de cerca de 12 horas para Castro, capital de Chiloé.
Chiloé é um arquipélago composto por uma ilha principal chamada de Ilha Grande de Chiloé e várias ilhas menores. Contando com pouco mais de 160.000 habitantes e 50km de largura por 180km de comprimento, Chiloé tem uma cultura própria, diferente de todo o resto do país, chamda de chilote. Por conta do isolamento do continente, os costumes e a culinária são bastante diferente de outros locais do Chile; inclusive, o local tem um folclore muito rico, cheio de personagens e de seres muito peculiares. Além disso, Chiloé também tem igrejas num estilo único, reconhecidas pela UNESCO como patrimônio da humanidade.
Castro
Capital e maior cidade da ilha, Castro tem pouco mais de 29 mil habitantes e possui pontos turísticos muito interessantes, sendo alguns inclusive declarados patrimônio nacional.
- Igreja de São Francisco: localizada na praça principal da cidade (Plaza de Armas), foi toda construída em madeira em estilo neogótico. Seu interior é realmente impressionante, já que a madeira utilizada tem um belo tom avermelhado.

A Igreja de S. Francisco, em Castro, vista de fora. Seu interior é ainda mais impressionante.
- Palafitas e mirantes: consideradas patrimônios nacionais, as casinhas coloridas de Castro, suportadas por palafitas, são uma atração à parte. O Mirador de la Virgen, próximo ao centro da cidade, possibilita um ótimo panorama destas construções.

Palafitas coloridas em Castro, Chiloé.
Ancud
Após Castro, segui para Ancud, segunda maior cidade do arquipélago chilote, com pouco mais de 27.000 habitantes. Por se localizar na entrada do arquipélago, o local foi considerado estratégico pelos espanhóis que ali se instalaram. Devido a isso, até hoje podem ser encontrados fortes e muralhas defensivos. Entre os pontos principais, destaque para:
- Forte San Antonio: foi construído em 1767 para a proteção de Ancud e atualmente é um parque aberto para visitação pública. Não é nada muito especial, mas achei interessante para aprender um pouco sobre a história local.

Forte San Antonio, em Ancud, Chiloé.
- Museu Regional de Ancud: certamente, um dos locais que mais me chamaram a atenção em Ancud foi este museu. É bastante informativo, e conta a história de Chiloé, bem como seus costumes e tradições. Gostei muito.
- Pinguinera de Los Ilotes de Puñuhuil: bastante próximo a Ancud, está localizada uma pinguinera, local onde ficam pinguins. Infelizmente, não tive tempo de visitar, mas diz-se que é um lugar muito interessante, pois abriga das espécies diferentes de pinguim: os de Humboldt e os de Magalhães. Vai ter que ficar pra próxima…
- Mercado Municipal de Ancud: não é um ponto turístico muito especial da cidade, mas gostei bastante, já que pude ver um pouco da culinária local e dos ingredientes que são utilizados. Pode ser um lugar interessante para comprar comidas típicas.

Mercado Municipal de Ancud, em Chiloé.
- Igrejas: como em todo o resto do arquipélago, Ancud também conta com exemplares das igrejas chilotes, que são bastante características.

Típica igreja chilote feita de madeira.
Região de Los Lagos: Frutillar e Puerto Varas
Depois de Chiloé, segui para o norte, a fim de visitar a região de Los Lagos, que possui muitas belezas naturais, incluindo reservas florestais e, obviamente, lagos.
Frutillar
A primeira cidadezinha que visitei foi Frutillar. De colonização alemã e na beira do lago Llanquihue, tem uma paisagem muito encantadora. Frutillar tem uma das mais belas vistas do vulcão Osorno, sendo o lugar perfeito para um passeio.

Píer em Frutillar, com vulcão Osorno no fundo: paisagem de tirar o fôlego.
Além do lago para ser apreciado, Frutillar também conta com mais alguns pontos que podem ser conhecidos numa visita ao local:
- Museu Colonial Alemão: localizado na rua principal da cidade, esse museu foi instalado numa antiga casa colonial, onde é possível conhecer mais sobre os imigrantes alemães. Há fotos, objetos e muitos equipamentos (incluindo um moinho) que os primeiros colonizadores utilizavam. Para completar, a varanda da casa oferece uma vista maravilhosa do vulcão e do lago Llanquihue.

Vista deslumbrante a partir da varanda do Museo Colonial Alemán, em Frutillar, Chile.
- Reserva Experimental Forestal Edmundo Winckler: distante cerca de 1km do centro da cidadezinha, esta estação experimental pertence à Faculdade de Ciências Florestais da Universidad de Chile. Como um estudante de engenharia florestal à época, não poderia deixar de visitar o local. Com uma grande variedade de espécies nativas da região, vale a pena a visita. Destaque para uma impressionante árvore de 700 anos: um laurel com vários metros de diâmetro.

Reserva Experimental Forestal Edmundo Winckler, em Frutillar.
- Locais tipicamente alemães: como foi um local de colonização alemã, Frutillar conta com diversos edifícios com arquitetura germânica: igrejas e casas lembram muito àquelas do país do 7×1. Além disso, ainda há uma escola alemã e diversos locais com a possibilidade de se provar o kuchen, uma torta alemã de frutas vermelhas que é maravilhosa. Para comê-lo, vá à Fábrica De Kuchen Tante Lilian. É simplesmente sensacional!

Escola alemã, em Frutillar, Chile.

Delicioso kuchen. Nada melhor do que comê-lo de frente ao lago!
Puerto Varas
Depois de Frutillar, fui para Puerto Varas, que também se localiza às margens do lago Llanquihue. A cidade, diferentemente de Frutillar, possui uma boa infraestrutura turística. Por isso, geralmente é a escolhida para ser a base de viagens pela região.
A cidade em si possui como melhor atração turística o seu centro histórico. Possui algumas construções interessantes, como uma igreja em estilo germânico, porém não chamam muito a atenção perto do que o Parque Nacional Vicente Pérez Rosales, localizado no seu entorno tem a oferecer:
- Saltos del Petrohue: localizados dentro deste Parque Nacional, este conjunto de quedas d’água foi, para mim, foi o ponto alto dessa viagem em termos de paisagem. Por meio de uma pequena trilha, tem-se acesso a esses saltos, que são maravilhosos. Caudalosos, fazem um barulho de água bastante forte, que contrasta com a calma ao seu redor. No fundo, observa-se o imponente vulcão Osorno, com neve no cume. Com certeza, foi um dos locais mais bonitos que visitei nesta viagem. Valeu muito à pena!

Saltos del Petrohue, com vulcão Osorno ao fundo. Parece fundo de tela do Windows…
- Lago Todos Los Santos: ainda dentro deste Parque Nacional, este lago possui um belo tom esmeralda. Sentar à sua margem é uma excelente pedida para quem quer descansar. É um local bem tranquilo e muito relaxante.

Lago Todos los Santos, no Chile, com muitas montanhas ao fundo.
Valdivia
Como última parada antes de pegar o ônibus de volta a Concepción, escolhi a cidade de Valdivia, capital da Região de los Ríos. Localizada cerca de 850 km ao sul de Santiago, Valdivia é uma cidade raramente incluída em roteiros de viagem, porém acredito que isso é uma injustiça.
Com seus poucos mais de 160.000 habitantes e também com forte influência alemã, Valdivia é uma cidade cheia de charme e encantos. Grande parte disso se deve à sua história, uma vez que a Holanda tentou ocupar a cidade diversas vezes. Por conta disso, um sistema de fortificações foi ali construído, e hoje constituem belos monumentos históricos.
Uma triste curiosidade é que grande parte da cidade precisou ser reconstruída em 1960 por causa do forte terremoto que sacudiu o Chile, com 9,5 graus de magnitude na Escala Richter. Como o epicentro foi bem próximo à cidade, este evento ficou conhecido como “Terremoto de Valdivia”.
Há muitas atrações a serem vistas na cidade:
- Fiera fluvial: para mim, foi um dos mercados mais interessantes que já visitei. Ali, os feirantes vendem diversos tipos de peixes e frutos do mar: desde ouriços até caranguejos gigantes. O curioso é que há muitos leões marinhos na parte de trás da feira, já que se alimentam do resto dos peixes que os feirantes descartam. É uma cena bem peculiar.

De um lado peixes…

E do outro famintos leões marinhos esperando para comer.
- Fiesta de la Cerveza: realizado anualmente desde, este evento une produtores locais de cerveja (como a ótima Kunstmann) e apreciadores do líquido. Também conta com diversos pratos típicos de forte influência alemã, como o crudo valdiviano, um tipo de hambúrguer cru, servido com cebola e molho. Dei a sorte de visitar a cidade durante a festa e foi bastante interessante.

Crudo valdiviano: carne crua, cebola, pão e molho. Comida típica da cidade de Valdivia, no Chile.
- Torreones españoles: Valdivia possui algumas torres que faziam parte do sistema de fortes da cidade na época colonial. Felizmente, resistiram ao tempo e podem ser vistos pela cidade.

Um exemplo dos Torreones Españoles de Valdivia, no Chile.
- Museo Histórico y Antropológico Maurice van de Maele: fica na beira do rio Valdivia e traz exposições de alta qualidade. Destaque também para o belo edifício onde foi instalado, em estilo colonial, e que pertenceu ao fundador da primeira cervejaria do Chile.
- Museo Naval Submarino O’ Brien: bem próximo à Fiera Fluvial, esse submarino foi transformado em um museu naval. É algo interessante para se ver para quem tenha curiosidade, porém nada tão imperdível.

Museo Naval Submarino O’ Brien, em Valdivia, Chile.
Visão Geral
Após passar 3 meses morando em Concepción e ter a possibilidade de visitar estas regiões não muito turísticas, me interessei ainda mais pelo Chile e pelo que o país tem a oferecer. Mesmo sendo um país bastante estreito, o Chile é muito interessante. Possui o deserto mais seco do mundo ao norte, a Patagônia no sul, o oceano à oeste e a Cordilheira dos Andes à leste. Desse modo, possui uma infinidade de paisagens e de locais a serem descobertos.
Além disso, a parte cultural do país também é muito interessante, uma vez que apresenta uma mescla da cultural local, mapuche, com os espanhóis colonizadores, e, posteriormente, com imigrantes, como os alemães, mais ao sul. Isso sem contar a cultura chilote, totalmente diferente de tudo já visto, com seu folclore e suas tradições. Assim, a cultura chilena é muito rica, o que acaba se refletindo também em outros pontos, como na gastronomia, por exemplo.
Sendo banhado pelo mar ao longo de toda sua extensão, os chilenos têm como base de sua alimentação peixes e frutos do mar, que podem ser encontrados em todo o país. Devido a isso, se destacam entre seus pratos típicos o curanto a la olla (ensopado de mariscos com frango, linguiça e vinho branco) e a paila marina (sopa de frutos do mar). A influência alemã ao sul também moldou alguns dos pratos tradicionais, como os já citados crudo e kuchen.

Curanto a la olla: uma mistura de mariscos, frango e linguiças, cozidas em vinho branco. Não é algo muito leve…

Paila marina: ensopado com diversos tipos de mariscos e peixes
Além desses pratos chilenos, devo mencionar aqui também outras comidas curiosas da culinária local: o DOGÃO chileno conhecido lá como italiano pore levar, junto ao pão e à salsicha, maionese, tomate e abacate (?); o Salchipapas, que se resumem a batatas fritas cobertas com carne desfiada, ovo frito, bacon frito, linguiça frita e queijo – uma bomba de sabor e de colesterol; e as Sopaipillas, massas fritas que geralmente são comidas com pebre, o vinagrete chileno. São coisas curiosas, que merecem ser degustadas numa viagem ao país.

As famosas – e gordurosas – salchipapas chilenas
Gostei muito da minha temporada no Chile e recomendo a todos que conheçam estas áreas um pouco menos conhecidas, pois todas têm seu charme e têm bem menos turistas do que os locais mais visitados.
Se tiver alguma dúvida ou sugestão, deixe abaixo nos comentários 🙂